domingo, 15 de março de 2009

José Sócrates, o Cristo da política portuguesa

Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina. A intervenção do secretário-geral do PS na abertura do congresso do passado fim-de-semana, onde se auto-investiu de grande paladino da "decência na nossa vida democrática", ultrapassa todos os limites da cara de pau. A sua licenciatura manhosa, os projectos duvidosos de engenharia na Guarda, o caso Freeport, o apartamento de luxo comprado a metade do preço e o também cada vez mais estranho caso Cova da Beira não fazem necessariamente do primeiro-ministro um homem culpado aos olhos da justiça. Mas convidam a um mínimo de decoro e recato em matérias de moral.José Sócrates, no entanto, preferiu a fuga para a frente, lançando-se numa diatribe contra directores de jornais e televisões, com o argumento de que "quem escolhe é o povo porque em democracia o povo é quem mais ordena". Detenhamo- -nos um pouco na maravilha deste raciocínio: reparem como nele os planos do exercício do poder e do escrutínio desse exercício são intencionalmente confundidos pelo primeiro-ministro, como se a eleição de um governante servisse para aferir inocências e o voto fornecesse uma inabalável imunidade contra todas as suspeitas. É a tese Fátima Felgueiras e Valentim Loureiro - se o povo vota em mim, que autoridade tem a justiça e a comunicação social para andarem para aí a apontar o dedo? Sócrates escolheu bem os seus amigos.Partindo invariavelmente da premissa de que todas as notícias negativas que são escritas sobre a sua excelentíssima pessoa não passam de uma campanha negra - feitas as contas, já vamos em cinco: licenciatura, projectos, Freeport, apartamento e Cova da Beira -, José Sócrates foi mais longe: "Não podemos consentir que a democracia se torne o terreno propício para as campanhas negras." Reparem bem: não podemos "consentir". O que pretende então ele fazer para corrigir esse terrível defeito da nossa democracia? Pôr a justiça sob a sua nobre protecção? Acomodar o procurador-geral da República nos aposentos de São Bento? Devolver Pedro Silva Pereira à redacção da TVI?À medida que se sente mais e mais acossado, José Sócrates está a ultrapassar todos os limites. Numa coisa estamos de acordo: ele tem vergonha da democracia portuguesa por ser "terreno propício para as campanhas negras"; eu tenho vergonha da democracia portuguesa por ter à frente dos seus destinos um homem sem o menor respeito por aquilo que são os pilares essenciais de um regime democrático. Como político e como primeiro-ministro, não faltarão qualidades a José Sócrates. Como democrata, percebe-se agora porque gosta tanto de Hugo Chávez.

4 comentários:

Bárbara Quaresma disse...

Já quase toda a gente percebeu como funciona este nosso Primeiro Ministro... E digo quase, porque ainda há por aí boa gente, socialistas ferrenhos, a quem lhes custa admitir que votaram mal!

F Geria disse...

A vitimizaçÃO...
Muito recorrente, ultimamente...

Pudim disse...

Ora viva! Carlitos Tebes, andas a ler o DN com algum atraso, o texto do JMT já tem uns diazitos largos. Lerás por toda a blogosfera respostas muito interessantes a este teu texto de referência.Os socialistas ferrenhos são realmente uma espécie em vias de extinção, o PS voltar a governar em Portugal é uma miragem porque os eleitores são todos muito sensatos e atribuirão, certamente, a vitória nas legislativas a uma verdadeira alternativa democrática de poder, o PCP. E assim admitiremos todos que votámos bem.

J º º G disse...

A politica e a politiquice é um jogo complexo em que muitas pedras se movem. As agendas dos partidos desenham-se função da posição que ocupam, governo ou oposição, e, mais recentemente passaram para a mais alta esfera dos profissionais de marketing, verdadeiros alquimistas que transformam mentiras em factos irrefutáveis, incompetência e ignorância em teses de pós-doc.

Esta peça jornalística, de opinião, revela no mínimo uma lucidez que já se vai perdendo a favor das massas formatadas.

A mim, depois de o ler, vem-me à cabeça um autor e um livro: George Orwell e “Animal Farm”. Leiam enquanto os porcos deixarem…