quinta-feira, 22 de maio de 2008

Na ponta do vértice.

O sábado estava solarengo. A pedir um daqueles passeios de deixar andar. A pouca brisa que se fazia sentir tornava-o mais quente ainda. O céu de um azul forte, vivo, cortado aqui e além por um véu de nuvem branca.
A primeira rotunda foi feita em ponto-morto para mais adiante parar junto ao vidrão que serviria de última morada às garrafas de sexta à noite.
Vindo não se sabe bem de onde um carro parou. Branco como branca estava a condutora que o dirigia, Desculpe. Diga-me por Amor de Deus onde fica o Sobral Cid!
Assim de repente ficou inerte. Só depois de se resgatar aos bucólicos pensamentos em que se tinha abandonado conseguiu perceber o que lhe perguntavam. Dentro do carro, atrás, uma criança, um adolescente talvez, com um ar igualmente desesperado olhava indiferente.
Explicar, a partir daquele ponto, onde ficava o Sobral Cid, só iria por certo agudizar aquele desespero de morte que raiava nuns e noutros olhos cansados.
Venha atrás de mim que levo-a lá! Mesmo antes de ter reflectido sobre a oferta já a tinha feito e, de imediato, sido aceite com um profundo suspiro.
Arrancou para uma sequência de curvas com uma história atrás que lhe começava a fervilhar nos labirintos da imaginação. Seriam de longe, só podia. Iriam a uma consulta. Ele, o miúdo, ou ela. Iriam visitar alguém…quem?
Pelo espelho percebia-se que a perseguição era cumprida a uma distância segura. Tímida. Não conseguia descortinar das feições mais do que o que corresponderia a uma mulher adulta, 40, 45 anos, loura, exausta mas com uma áurea determinada. Magra, muito magra. Olhar fixo, hirta. Bonita. Sim. O Miúdo, nada de especial, só exausto, com fome talvez.
Um quarto de hora volvido parou. Não estava no Sobral Cid mas ficava em linha de vista. Dali em diante era impossível errar o caminho. Logo atrás ela parou. Saiu do carro e só naquele momento percebeu que o Hospital era mesmo ali ao lado. Suspirou. Com alivio. Com dor talvez. Olhou-o nos olhos com um verde forte cortante e soletrou um inaudível e imóvel obrigado enquanto uma lágrima lhe descia pela pele seca do rosto. Ele não disse nada. Não precisou. Invadido por uma infinita sensação de bem estar e desconforto, daquelas que só se devem sentir quando o nosso nada é o infinito do outro, acenou com a cabeça num sorriso a disfarçar um lágrima que ela não viu e que foi a única coisa em que a história de ambos se tocou.

3 comentários:

Bárbara Quaresma disse...

Talvez um dia mais tarde a história de ambos se volte a tocar...

Joana Pinto disse...

Gostei muito...um micro-conto (assim o posso denominar?) de prazeirosa leitura e cuja ficção se aproxima em muito da realidade.

F Geria disse...

è nas pequenas acções que mostramos quem somos...